Difícil encontrar palavra mais adequada, exceto covardia, para o ato de perseguir, dominar e matar animais não-humanos, como pode ser interpretado do projeto de lei tratando da chamada “caça esportiva”, em agudo eufemismo, temporariamente retirado de pauta pelo Congresso Nacional.Pela designação do PL, já se percebe o descaro originário da proposta, sabendo-se não constituir “esporte” algum um contexto no qual uma das partes tem total privilégio de uso da violência desmedida, além da estratégia de cerco às vítimas, totalmente indefesas diante de um adversário dotado de raciocínio como capacidade de criar táticas indefensáveis de captura.Em vez de discutir a suspensão dos ataques, ora liberados, aos javalis, por serem considerados “invasores”, os congressistas alegam preocupar-se com a “interação entre homem e natureza” como cortina a encobrir a inclinação nociva à prática viciosa do assassínio, sem dar oportunidade de defesa aos alvos em tão repugnante entretenimento.Defendem os redatores do texto o uso das armas e armadilhas para permitir o controle populacional de espécies consideradas ameaças ao meio ambiente, agricultura ou saúde pública, incentivando uma suposta conservação dos habitats, sem verificar os parlamentares se não seriam os caçadores os maiores inimigos do equilíbrio ecológico.A legalização da execução dos bichos, em seu ambiente selvagem, teria de passar por órgão federal, a fim de definir as áreas a serem delimitadas para a macabra diversão, ao determinar também a cota diária de abates, em total desalinho com os questionamentos contemporâneos relacionados à desmesura no convívio com a fauna, uma das prováveis causas da Covid-19.A ambição, resultante da crença no poder do raciocínio, segue antiga tradição, por meio da qual, acredita-se na superioridade do Homo Sapiens, como capaz de prover quanto queira de outros seres viventes, tratados com inferioridade, na condição de “coisas não-pensantes”, embora sintam dor e sejam capazes de desenvolver afetos.