Prestes a lançar o seu novo disco, que será a continuidade da história contada em Dolores Dala, o Guardião do Alívio (D.D.G.A), o rapper paulista Rico Dalasam foi um dos convidados especiais da noite de ensaio do Cortejo Afro nesta segunda-feira, 10, no Largo da Tieta, no Pelourinho. Imerso no verão de Salvador, onde está desde o fim do ano passado, o compositor do hit “Braile”, que venceu o Prêmio Multishow na categoria “Canção do Ano” em 2020, aceitou o convite de Mahal Pita, seu parceiro musical conhecido também pelo trabalho com a BaianaSystem, para fazer uma participação no show do bloco mundialmente conhecido pela união de referências que resultam no mais puro suco do ritmo afro-baiano.
No palco, Rico cantou versões de “Braile” em “pagodão”, “Estrangeiro”, que ganhou tons de zouk e, a canção que fará parte do novo EP, “Alivia a Dor”, foi transformada em um samba-duro que colocou o público repleto de turistas para dançar no coração do Centro da cidade. Autodenominado “um cara de emoções, não de durezas”, o MC diz que as letras do seu novo trabalho mostram um paciente de “alta” da doença da paixão, diferente do jovem doído e cheio de incertezas, retratado na primeira parte de D.D.G.A.
Com os lançamentos previstos para o fim deste mês, Rico conta o trabalho vai ter parcerias com nomes conhecidos do público e que o desafio desta vez foi dar um aspecto “estranho” às canções populares, sem perder a sua essência que está nas rimas contundentes e em explorar poder das palavras.
Você está em Salvador e aproveitou a estadia para se apresentar junto com o Cortejo Afro nesse show, como aconteceu essa conexão?
— Estou aqui a convite do [Mahal] Pita, ele falou ‘vamos cantar uma das músicas do D.D.G.A no Cortejo’, ai eu pensei, poxa, se for com o Cortejo vai ser massa, experimentar as músicas, as claves rítimas em comum. Com ‘Braile’ eu vi que dava para fazer uma coisa mais próxima do pagodão, em ‘Estrangeiro’ mais próximo do zouk, e a outra música inédita que é ‘Alivia a Dor’, que já corre mais para algo de samba-duro, uma experiência com poucas músicas, afinal é uma participação, misturando esse universo do D.D.G.A com o do Cortejo Afro, que brinca com todos esses ritmos afro.
Fala um pouco mais dessa ligação com a Bahia, além de Mahal Pita você também tem parcerias com outros músicos…
— Eu trabalho com o Rafa [Dias, do Àttoóxxá], com o Mahal, o Chibatinha [guitarrista do Àttoóxxá] participa de duas músicas recentes, nós somos contemporâneos, né? A gente se encontra nesse lugar, a gente ouve as mesmas coisas. Eu venho de um outro lugar e a gente consegue cruzar essas coisas dando outras linguagens […] Eu sei que quero que o som balance, mas não é por isso que eu tenho que deter signos, caracteres, que não é da minha vivência. Também existem múltiplas outras possibilidades afros, ‘diaspóricas’, se está fazendo negócio de ‘grimme’, é bagulho preto, ‘trap’, são ritmos pretos também, é a cultura jovem preta global.
Este ano completa 7 anos do lançamento do disco “Modo Diverso” (2015) que te lançou como o expoente do ‘queer rap’ no Brasil. Como vê a sua trajetória? Você ainda se enxerga nesse lugar?
— Eu acho que vou ser para sempre. Foi o lugar que eu inventei para mim, antes de mim não tinha no universo das culturas brasileiras todas, afro ou não, periferia ou não, não existiam esses códigos. Eu vou existir para sempre, eu não vou contar a história disso em contar a minha história, e sou muito feliz por isso. Mas o tempo se desdobra, a vida tem seus ciclos de fundação, uma coisa é a gente demandar algo na cultura brasileira que vem do norte de América, tem o tempo para processar, precisa de raiz, de fundação, tem que criar assentamento […] fazem 6 anos que estou fazendo as coisas para fundar algo que vai ser entendido como manifestação cultural daqui a alguns anos. Você só entende o ‘Boi Caprichoso e o Boi Garantido’ [manifestação folclórica tradicional no Amazonas] quando isso é tido como manifestação cultural. As coisas só saem de um lugar marginalizado, demonizado, quando é tido dessa forma, mas às vezes não…
Com o funk é assim…
— Sim, como funk, mas com o maculelê também […] não tem como inventar algo, impor uma cultura. Eu crio, faço escola, vem a segunda, terceira geração, as pessoas consomem e a coisa vai indo. Quanto tem a mínima possibilidade de massificar, ou massifica de vez, ou embranquece, pois, as pessoas passam a ver o dinheiro. Aí um dia vira manifestação cultural. Não é isso o samba-reggae? Só dão valor depois que embranquecem. Todas as coisas no Brasil nascem pretas e embranquecem para nacionalizar, a própria música sertaneja nasce assim. Pode ser que o ‘queer rap’ vire isso, mas nem chegamos lá ainda. E, tomara, que a gente consiga desarticular tudo isso antes que aconteça.
E essa influência você vê hoje também na estética ou percebe mais na música?
— É tudo grandioso culturalmente, claro que cada um tem suas ambições, o desejo desse suposto pop. É difícil falar de cultura LGBTQIA+ sem a cultura pop, não tem a versão sacra, religiosa, do LGBTQIA+. Mesmo o underground ele é por falta de possibilidade, ele se constrói no pop. Eu não tenho isso porque para mim o rap sempre se bastou, o Facção Central, RZO, Racionais, para mim era isso e acabou, tinha ali a música romântica pagode, mas é o rap mesmo. Não tive processo de Madonna, Britney Spears, Lady Gaga, depois fui ver mas já tinha Nick Minaj, Rihanna, mas é um pop que me atende, quando o hip-hop e pop estão dançando juntos com perfeição. A simbiose, né.
E vem disco novo por aí… Já pode adiantar alguma coisa, falar um pouco mais sobre esse trabalho?
— Isso, vamos lançar a segunda parte de D.D.G.A (2020). Sei lá, esse disco ajuda a gente mesmo em um momento como esse, traz histórias muito sinceras e conseguiu me devolver a um lugar de notoriedade. Só que agora não mais no lugar apenas sobre um corpo político, mas pela sinceridade das confissões do poema. Ele me aproximou mais da canção, desde o meu começo foram muitas rimas, raps, fui descobrindo um lugar na canção, que eu não sabia só fazer rima, mas também melodias. Tudo foi andando […] o D.D.G.A já tem mais de dois anos nessa campanha, fiz o ‘Braile’, bateu certo, agora vem a segunda parte quando tentamos dar um desfecho para essa história. Vamos tentar concluir essa narrativa minha de elaborar tantos sentimentos, acontecimentos dentro de um universo dos relacionamentos. A segunda parte propõe isso, já na direção de uma suposta alta, ‘estou de alta, ninguém está mais no mesmo lugar’. Elaborei, elaborei, e estou pronto para me deixar ser amado de novo.
É possível que a gente veja de novo influência de ritmos baianos no EP?
— A palavra tem a predominância sobre tudo, não é um disco sobre ritmo, mas um disco sobre palavras. o D.D.G.A tem acabamentos populares, agora vamos fazer canções populares, do cancioneiro brasileiro, só que com acabamentos estranhos, a gente vai inverter. Tem o ‘Trinta Semanas’, uma super canção, “Guia do Amor Cego”, “Apaga que Dá Tempo”, que já é no ciclo e ela se aproxima das experiências que tivemos em “Fogo em Mim” (2017), música que empurra, que volta para esse chacra mais pélvico, do desejo e tal. As narrativas continuam, caminha nesse lugar, é um relógio que acelera. Todas as faixas são inéditas. Acho que fim de janeiro já sai alguma coisa, são músicas que vou encontrar outros artistas, eu voltando para esse lugar dos encontros que não faço há um tempão. E aí vem gente que a galera gosta, não posso falar, mas vai ser legal. Eu ouço [música da Bahia], danço, pesquiso, isso é identidade brasileira, se não é periférica é do interior, não está nas capitais, chega dissolvida nos grandes centros. Vai adentrando passando as gerações até chegar no sagrado do sagrado e vamos ver aquilo em uma procissão, terreiro, uma lavagem. Só que isso você encontra lá na indústria feito, já embalado para a viagem. É preciso trazer sua verdade naquele momento olhando para as suas coisas, fora do que está sendo pautado no âmbito global da música dos vícios de tendências de streaming.
Você fala em abrir portas e hoje já gravou músicas com alguns artistas que se inspiram em você, como Hiran, a Quebrada Queer, Glória Groove. Como é ver hoje o resultado de todo esse movimento que iniciou?
— É muito legal ver todo mundo, são desdobramentos sonoros de alguma coisa, 90% das pessoas no mercado com sucesso ou menos, quando apareci estavam no meu show pensando nas perspectivas artísticas de como farei, como vou achar uma linguagem. A gente fez ‘Modo Diverso’ (2015) e não tem como ninguém que estuda processos da história atual da música não ver. Linn da Quebrada, Jup do Bairro, não falo nem só de cronologia, mas de signos e identidades. No disco tem boombap, música romântica R&B, músicas de todos os jeitos, tem speedflow, melodia, interlúdios. Eu bati na porta de todos os produtores de rap, todo mundo achando tudo estranho. E assim tudo foi feito só eu e o Filipe Neoh, só tínhamos medo e vontade de fazer, e acho que é assim que as coisas mais puras vem à tona.
No palco, Rico cantou versões de “Braile” em “pagodão”, “Estrangeiro”, que ganhou tons de zouk e, a canção que fará parte do novo EP, “Alivia a Dor”, foi transformada em um samba-duro que colocou o público repleto de turistas para dançar no coração do Centro da cidade. Autodenominado “um cara de emoções, não de durezas”, o MC diz que as letras do seu novo trabalho mostram um paciente de “alta” da doença da paixão, diferente do jovem doído e cheio de incertezas, retratado na primeira parte de D.D.G.A.
Com os lançamentos previstos para o fim deste mês, Rico conta o trabalho vai ter parcerias com nomes conhecidos do público e que o desafio desta vez foi dar um aspecto “estranho” às canções populares, sem perder a sua essência que está nas rimas contundentes e em explorar poder das palavras.
Você está em Salvador e aproveitou a estadia para se apresentar junto com o Cortejo Afro nesse show, como aconteceu essa conexão?
— Estou aqui a convite do [Mahal] Pita, ele falou ‘vamos cantar uma das músicas do D.D.G.A no Cortejo’, ai eu pensei, poxa, se for com o Cortejo vai ser massa, experimentar as músicas, as claves rítimas em comum. Com ‘Braile’ eu vi que dava para fazer uma coisa mais próxima do pagodão, em ‘Estrangeiro’ mais próximo do zouk, e a outra música inédita que é ‘Alivia a Dor’, que já corre mais para algo de samba-duro, uma experiência com poucas músicas, afinal é uma participação, misturando esse universo do D.D.G.A com o do Cortejo Afro, que brinca com todos esses ritmos afro.
Fala um pouco mais dessa ligação com a Bahia, além de Mahal Pita você também tem parcerias com outros músicos…
— Eu trabalho com o Rafa [Dias, do Àttoóxxá], com o Mahal, o Chibatinha [guitarrista do Àttoóxxá] participa de duas músicas recentes, nós somos contemporâneos, né? A gente se encontra nesse lugar, a gente ouve as mesmas coisas. Eu venho de um outro lugar e a gente consegue cruzar essas coisas dando outras linguagens […] Eu sei que quero que o som balance, mas não é por isso que eu tenho que deter signos, caracteres, que não é da minha vivência. Também existem múltiplas outras possibilidades afros, ‘diaspóricas’, se está fazendo negócio de ‘grimme’, é bagulho preto, ‘trap’, são ritmos pretos também, é a cultura jovem preta global.
Este ano completa 7 anos do lançamento do disco “Modo Diverso” (2015) que te lançou como o expoente do ‘queer rap’ no Brasil. Como vê a sua trajetória? Você ainda se enxerga nesse lugar?
— Eu acho que vou ser para sempre. Foi o lugar que eu inventei para mim, antes de mim não tinha no universo das culturas brasileiras todas, afro ou não, periferia ou não, não existiam esses códigos. Eu vou existir para sempre, eu não vou contar a história disso em contar a minha história, e sou muito feliz por isso. Mas o tempo se desdobra, a vida tem seus ciclos de fundação, uma coisa é a gente demandar algo na cultura brasileira que vem do norte de América, tem o tempo para processar, precisa de raiz, de fundação, tem que criar assentamento […] fazem 6 anos que estou fazendo as coisas para fundar algo que vai ser entendido como manifestação cultural daqui a alguns anos. Você só entende o ‘Boi Caprichoso e o Boi Garantido’ [manifestação folclórica tradicional no Amazonas] quando isso é tido como manifestação cultural. As coisas só saem de um lugar marginalizado, demonizado, quando é tido dessa forma, mas às vezes não…
Com o funk é assim…
— Sim, como funk, mas com o maculelê também […] não tem como inventar algo, impor uma cultura. Eu crio, faço escola, vem a segunda, terceira geração, as pessoas consomem e a coisa vai indo. Quanto tem a mínima possibilidade de massificar, ou massifica de vez, ou embranquece, pois, as pessoas passam a ver o dinheiro. Aí um dia vira manifestação cultural. Não é isso o samba-reggae? Só dão valor depois que embranquecem. Todas as coisas no Brasil nascem pretas e embranquecem para nacionalizar, a própria música sertaneja nasce assim. Pode ser que o ‘queer rap’ vire isso, mas nem chegamos lá ainda. E, tomara, que a gente consiga desarticular tudo isso antes que aconteça.
E essa influência você vê hoje também na estética ou percebe mais na música?
— É tudo grandioso culturalmente, claro que cada um tem suas ambições, o desejo desse suposto pop. É difícil falar de cultura LGBTQIA+ sem a cultura pop, não tem a versão sacra, religiosa, do LGBTQIA+. Mesmo o underground ele é por falta de possibilidade, ele se constrói no pop. Eu não tenho isso porque para mim o rap sempre se bastou, o Facção Central, RZO, Racionais, para mim era isso e acabou, tinha ali a música romântica pagode, mas é o rap mesmo. Não tive processo de Madonna, Britney Spears, Lady Gaga, depois fui ver mas já tinha Nick Minaj, Rihanna, mas é um pop que me atende, quando o hip-hop e pop estão dançando juntos com perfeição. A simbiose, né.
E vem disco novo por aí… Já pode adiantar alguma coisa, falar um pouco mais sobre esse trabalho?
— Isso, vamos lançar a segunda parte de D.D.G.A (2020). Sei lá, esse disco ajuda a gente mesmo em um momento como esse, traz histórias muito sinceras e conseguiu me devolver a um lugar de notoriedade. Só que agora não mais no lugar apenas sobre um corpo político, mas pela sinceridade das confissões do poema. Ele me aproximou mais da canção, desde o meu começo foram muitas rimas, raps, fui descobrindo um lugar na canção, que eu não sabia só fazer rima, mas também melodias. Tudo foi andando […] o D.D.G.A já tem mais de dois anos nessa campanha, fiz o ‘Braile’, bateu certo, agora vem a segunda parte quando tentamos dar um desfecho para essa história. Vamos tentar concluir essa narrativa minha de elaborar tantos sentimentos, acontecimentos dentro de um universo dos relacionamentos. A segunda parte propõe isso, já na direção de uma suposta alta, ‘estou de alta, ninguém está mais no mesmo lugar’. Elaborei, elaborei, e estou pronto para me deixar ser amado de novo.
É possível que a gente veja de novo influência de ritmos baianos no EP?
— A palavra tem a predominância sobre tudo, não é um disco sobre ritmo, mas um disco sobre palavras. o D.D.G.A tem acabamentos populares, agora vamos fazer canções populares, do cancioneiro brasileiro, só que com acabamentos estranhos, a gente vai inverter. Tem o ‘Trinta Semanas’, uma super canção, “Guia do Amor Cego”, “Apaga que Dá Tempo”, que já é no ciclo e ela se aproxima das experiências que tivemos em “Fogo em Mim” (2017), música que empurra, que volta para esse chacra mais pélvico, do desejo e tal. As narrativas continuam, caminha nesse lugar, é um relógio que acelera. Todas as faixas são inéditas. Acho que fim de janeiro já sai alguma coisa, são músicas que vou encontrar outros artistas, eu voltando para esse lugar dos encontros que não faço há um tempão. E aí vem gente que a galera gosta, não posso falar, mas vai ser legal. Eu ouço [música da Bahia], danço, pesquiso, isso é identidade brasileira, se não é periférica é do interior, não está nas capitais, chega dissolvida nos grandes centros. Vai adentrando passando as gerações até chegar no sagrado do sagrado e vamos ver aquilo em uma procissão, terreiro, uma lavagem. Só que isso você encontra lá na indústria feito, já embalado para a viagem. É preciso trazer sua verdade naquele momento olhando para as suas coisas, fora do que está sendo pautado no âmbito global da música dos vícios de tendências de streaming.
Você fala em abrir portas e hoje já gravou músicas com alguns artistas que se inspiram em você, como Hiran, a Quebrada Queer, Glória Groove. Como é ver hoje o resultado de todo esse movimento que iniciou?
— É muito legal ver todo mundo, são desdobramentos sonoros de alguma coisa, 90% das pessoas no mercado com sucesso ou menos, quando apareci estavam no meu show pensando nas perspectivas artísticas de como farei, como vou achar uma linguagem. A gente fez ‘Modo Diverso’ (2015) e não tem como ninguém que estuda processos da história atual da música não ver. Linn da Quebrada, Jup do Bairro, não falo nem só de cronologia, mas de signos e identidades. No disco tem boombap, música romântica R&B, músicas de todos os jeitos, tem speedflow, melodia, interlúdios. Eu bati na porta de todos os produtores de rap, todo mundo achando tudo estranho. E assim tudo foi feito só eu e o Filipe Neoh, só tínhamos medo e vontade de fazer, e acho que é assim que as coisas mais puras vem à tona.